Textos Opinião ( p/ FC
)
A
liberdade cai na rede
Foi
numa festa recente em casa de amigos: discutia-se a escalada da pornografia na
internet, e a necessidade de se estabelecer "políticas públicas de
controle". Quando, por questão de princípio, manifestei-me inteiramente
contrário à interferência do Estado em assuntos de âmbito particular,
impacientaram-se comigo. “A liberdade”, alguém argumentou a meu lado. “também
necessita de regulamentação a vigilância”.
E então, pior ainda, quando ousei argumentar que não é justo que todas
as pessoas de bem sejam vigiadas por causa de “punhado de tarados”, não foram
poucos os que me perguntaram, com vago desdém: “Mas o que você quer dizer com
pessoas de bem? Por favor, seja mais...” científico!
A pergunta, respostas à parte, parece já
dizer bastante sobre nossa época, marcada por altos índices de tecnologia e
baixos padrões de consciência moral. Décadas atrás, ninguém ousaria demonstrar
todo esse espanto diante de uma expressão tão simples, tão clara e essencial.
Ao contrário: todos aspiram a ser – ao menos em princípio – pessoas de bem,
fieis tributários de uma tradição de valores morais legado de geração a
geração, muito mais profunda e mais antiga do que os modernos referenciais
científicos da sociologia (esta tende a encarar a moral com um suspeitíssimo “sintoma
ideológico”, e a liberdade individual como uma circunstância sujeita não a
padrões de responsabilidade e autodisciplina, mas a vigilâncias e
regulamentações públicas).
A liberdade sempre teve, graças a Deus,
grandes admiradores, mas também conta com uma vasta legião de inimigos. De
Platão a Karl Marx, passando por Durkheim e o Iluminismo, muitos pensadores se
dedicaram a imaginar a sociedade perfeita a partir da mesma receita obsessiva:
o sacrifício da esfera individual, em nome de um suposto bem-estar coletivo.
Hoje, essa luta parece expandir seus domínios até a internet, fazendo dela sua
mais nova trincheira. Logo ela, que nasceu sob o signo da liberdade e da mais
completa desregulamentação.
Sem
ter um núcleo central gerador, não sendo administrada por ninguém, a internet é
apenas um formidável conjunto de redes de computadores ligadas entre si, que
utilizam a mesma tecnologia para enviar e receber informações. Talvez essas
duas grandes virtudes – sua autonomia e seu alcance – incomodem os inimigos da
liberdade, levando-os a propor uma série de modelo de gestão, em geral bem mais
nocivo do que a própria pornografia – à qual, aliás, só tem acesso quem quiser.
Deixo aos especialistas as questões
relativas às possibilidades tecnológicas desse controle e às intenções
políticas de exercê-lo. Mas, como indivíduo e escritor não podem deixar de
constatar a existência de um punhado de outras estratégias às quais as modernas
ciências sociais costumam recorrer para ajudar a consolidar esta dominação. Uma
delas responde pelo nome de inteligência coletiva – conceito que encontra na
internet seu berço mais esplêndido.
Capitaneada pelo pensador francês Pierre Lévy, notório pelas suas
especulações sobre o impacto da informática no comportamento humano, a proposta
se inscreve na velha galeria das ideias platônicas de “sociedade perfeita” e
“bem-estar comum”. Segundo Lévy, a informática é, entre todas as variantes de
“tecnologia da inteligência”, aquela que oferece os “ambientes e ferramentas
mais favoráveis à construção de uma inteligência coletiva”. E isso, diz o
mestre, passa necessariamente pelo processo de produção cooperativa de textos.
Sob a capa de uma suposta solidariedade
tecnológica, a proposta vem na verdade atacar um ponto essencial para a
liberdade de pensamento e expressão: a questão autoral, cuja legitimidade já
vinha sendo constatada pelos militantes da
“ciberpirataria”, versão upgrades do velho aforismo proudhoniano d que toda
propriedade é um roubo. Com
a inteligência coletiva, a prática vem encontrar seu respaldo teórico.
Num livro chamado exatamente “intelligence Collection”, Lévy profetiza que, a partir do momento que se passa da esfera do
individual para a do coletivo, o número de possibilidades de combinação de
potenciais biopsicológicos aumenta consideravelmente, criando um suposto
hipercórtex (sic), uma espécie de versão virtual da clonagem humana. Talvez
seja apenas mais uma ideia maluca a circular na rede; mas basta alguns segundos
de pesquisa, com a ajuda de um mecanismo de busca como o Google, para se ter
uma ideia de sua crescente repercussão: a expressão “inteligência coletiva” aparece
nada menos do que 2.130 vezes só em português, enquanto Lévy é brindado com
cerca de 13 mil referências, 3.000 mil delas em nosso idioma. Pode não ser uma
cifra impressionante, num universo de milhões de sites, mas é bom lembrar que
os piores venenos são letais em doses microscópicas.
Não é difícil deduzir as conseqüências que
isso possa trazer para a liberdade de pensamento e expressão, conquistada pelo
indivíduo a duras penas, ao longo de seu processo civilizatório – e que uma
nova ferramenta como a internet deve ajudar a fortalecer, não a destruir.
Pensar coletivamente é coisa que pressupõe vigilância recíproca,
constrangimento e consenso. Ou seja: exatamente o contrário daquilo que a
palavra “liberdade” significa.
Para dar conta de tantos inimigos, a
liberdade conta com um único guardião: O exército-de-um-homem-só de cada pessoa
de bem. Somente estando acordado de qualquer sonho coletivo o indivíduo poderá
ajudar a defender a liberdade, sua e do próximo. O resto é silêncio – ou
conversa de festa.
Borges,
Antônio Fernando. In: O Globo/ 22/04/03- p.7
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O
detestável público
* Eugênio Bucci
Dizem os pessimistas que a política é um
circo – de horrores, talvez. Pois estão errados, e a culpa é, em grande parte,
do público.
No Circo a platéia é chamada de “respeitável
público” e faz por merecer o tratamento. Ela come pipoca, bate palmas, ri do
Palhaço, arregala os olhos quando o leão entra no picadeiro, suspira com os
volteios da trapezista, de pernas esguias e biografia misteriosa. No Circo o
público é família. Mesmo no circo romano, o Coliseu, os espectadores costumavam
se dar algum respeito – e eram respeitados pelo imperador, que, vez ou outra,
consultava o povo sedento de sangue para saber se um gladiador imobilizado pelo
oponente deveria ou não deveria ser executado na Arena.
Os lutadores e soberanos se dobravam as
predileções da turba, que não estava lá para contemplar mesuras e boas
maneiras. De sorte que até mesmo ali, o seu modo rude e animalesco, o público
era respeitável.
A política de nossos dias não é um circo,
nem mesmo de horrores: ela é pior, e isso não porque os políticos desrespeitam
o público, mas porque o público abdicou do próprio respeito. À vezes temos a
sensação de que o público em nome do qual se faz a tal política é repugnante,
talvez mais do que as pequenas multidões que gargalhavam quando a cabeça dos
nobres tamborilava aos pés da guilhotina, no terror da Revolução
Francesa. O público é detestável
Na semana passada (inicio de Nov./11),
tivemos mais uma prova abrasiva dessa verdade. Imediatamente após a divulgação
da notícia de que o ex-presidente Lula contraiu câncer na laringe, entrou em
atividade, na internet, um vulcão de baixarias preconceituoso, ofensivo,
injurioso, para agredir um ser humano que adoeceu. Nas redes sociais, um grupo
lançou uma campanha para tripudiar. Entre outras maldições, sentenciaram Lula a
ir procurar seu tratamento no SUS ( Sistema Único de Saúde), e proclamaram: “É
melhor ele continuar vivo, ainda que sua voz, e parar de envenenar o mundo com
suas palavras ignorantes”.
É claro que não podemos generalizar: não é
a totalidade dos freqüentadores das redes sociais que se comportam como hienas
histéricas, como urubus descompensados, como
trogloditas virtuais. Mas é claro, também, que são muitos. São milhares.
Tanto que se tornou impossível ignorá-los. Eles constituem um sintoma grave –
sintoma em todos os sentidos, do farmacológico ao psicanalítico – em que o ódio
de classe atropela o debate das ideias.
Sim, ódio de classe. Quem manda Lula se
tratar no SUS declara ódio contra o próprio, e também contra o SUS, contra a
Lei, contra tudo o que guarde uma reminiscência de assistência social e de
pobreza. Esse discurso reedita a velha máxima brasileira: “Aos amigos tudo, aos
inimigos, a lei”. Traduzindo: o SUS é a lei, e a lei só pode fazer mal; o SUS é
como as penitenciárias; todo serviço é odioso. Essa gente se recusa a admitir
que, no SUS, muitos de nós já nos tratamos com sucesso, nem que tenha sido uma
única vez na vida, embora a administração pública ainda padeça os males
causados pelos ladrões e pelos parasitas incompetentes. Essa gente se enfurece
porque Lula foi atendido num hospital de elite, mais ou menos como a personagem
caricata da novela das 9, Tereza Cristina, se destempera, aos urros, porque a
ex-pobretona Griselda ganhou na loteria e comprou uma casa no mesmo condomínio de luxo em que
ela , a afetadíssima Tereza Cristina, tem sua mansão. O detestável público que
agora insulta Luiz Inácio Lula da Silva é uma massa ignara de Tereza Cristina
esbravejantes, defendendo aos tapas seu condomínio imaginário. Condomínio que, honestamente, é uma favela
moral de palácios com vidro à prova de bala ( o SUS é melhor, inclusive para a
saúde).
Antes
falávamos do câncer e da AIDS como metáforas de fenômenos menos visíveis. Agora
somos forçados a decifrar, na internet, de onde vem a metamorfose do ódio e,
pior, para onde ela aponta. Um câncer de laringe num líder populista é
metáfora? Evidentemente, sim, mas a
fúria espalhafatosa que ele atrai é presságio de doença mais preocupante.
Faz décadas, Nelson Rodrigues caçoou de
Otto Lara Resende atribuindo a ele uma frase que se tornaria célebre: “O
mineiro só é solidário no câncer”. Naquele tempo, o público ia ao teatro. Hoje,
o público não sabe o que é solidariedade. Nem no câncer. Se ele não se der ao
respeito, não haverá mais política. O debate de ideias sucumbirá ao desejo de
exterminar o outro. E a voz do povo será a voz da treva.
Época/Nov. 2011 * Eugênio Bucci – é jornalista e
professor da ESPM e da ECA-USP
Chama /... Construção da União Europeia
constitui um dos mais bem-sucedidos projetos de paz da História
contemporânea... ( Fatos & Feitos)
Uma Europa cada vez maior (FC # 19)
*Ana
Paula Zacarias
Celebra-se no mês de Maio de 2015 o decimo
primeiro ano do maior e mais complexo alargamento que trouxe, em 2004, dez
novos países à União Europeia –
Chipre, Malta, e oito países do Leste da Europa: Eslováquia, Eslovênia,
Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, e República Checa. Este fio um
passo muito significativo para a reunificação do continente europeu. Como
disse, então, o Papa Paulo II, “A Europa pode, finalmente, respirar com ambos os pulmões”.
Fundada
em 1957, a Comunidade Econômica Europeia
formada por apenas seis países – Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e
Luxemburgo – transformou-se em União Europeia, e acolhe hoje mais de 500
milhões de cidadãos em 28 Estados - membros.
Não
restam duvidas de que a construção desta União constitui um dos mais
bem-sucedidos projetos de paz da História contemporânea. Países que antes se
enfrentavam em devastadoras guerras vivem hoje em paz, tendo por base valores
comuns de respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade,
estado de direito e direitos humanos. À paz se juntou a prosperidade mediante a
construção de um mercado único, de uma união econômica cada vez mais profunda,
de um acervo de normas comuns aplicáveis em todos os estados - membros, bem
como um conjunto de instituições supra-nacionais responsáveis pela preservação
dos interesses comuns.
Os sucessivos alargamentos demonstram o
poder de transformação de projeto europeu que ajudou os novos países-membros a
reconstruir e modernizar as suas economias, reformar as suas instituições e
valorizar o seu tecido social e a sua cultura – ao mesmo tempo em que se
operava a reunificação do continente numa lógica da integração política, de
economia de mercado, de liberdade de circulação, de desenvolvimento
sustentável, com base nos valores da liberdade e da democracia.
O
alargamento provou igualmente ser um dos mais importantes instrumentos para a
paz e a prosperidade da Europa, que aumentou o seu peso enquanto ator global e
se tornou mais segura, mais forte e mais rica, quer do ponto de vista político,
econômico, social e cultural. No que diz respeito à política externa, o
alargamento trouxe um reforço das relações de vizinhança no Leste e também nos
Bálcãs, permitindo, ao mesmo tempo, à União tornar-se um ator mais credível e
efetivo nas Américas, na África, no Oriente Médio ou na Ásia pela diluição das
heranças coloniais.
O projeto europeu continua atrair novos
países. Temos hoje cinco países candidatos – Macedônia, Islândia, Montenegro,
Sérvia e Turquia, e outros três podem vir a juntar-se a estes – Albânia,
Bósnia-Herzegovina e Kosovo, caso cumpram todos os critérios de adesão.
Aprofundando o seu processo de integração
e, simultaneamente, alargando o seu âmbito geográfico, a União cresceu sob o
lema: “Unidos na diversidade”.
Sabemos que só assim poderemos encontrar um denominador comum e soluções
inovadoras e pragmáticas para enfrentar os desafios globais, deixando a porta
aberta para que a família europeia possa continuar a crescer em paz e
prosperidade.
* Ana Paula
Zacarias é
embaixadora da União Europeia/UE no Brasil. Artigo escrito com os embaixadores
da EU no Brasil. ( 14/5/2014).
“A implosão da
mentira”
Afonso
Romano de Sant’ Anna
( Ele, Escritor,
Presidente da Biblioteca Nacional/Rio)
Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.
Mentem, sobretudo, impunimente.
Não mentem tristes,
Alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acham que mentindo historia afora
vão enganar a morte eternamente.
Mentem, mentem e calam
mas as frases falam e desfilam de tal modo nuas
que mesmo o cego pode ver a verdade
em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e
Escura,
Mas não se chega à verdade pela mentira
Nem a democracia pela ditadura.
Evidentemente crer que uma flor nasceu em
Hiroshima e em Auschwitz havia um
Circo permanentemente.
Mentem, mentem caricaturalmente,
mentem como a careca mente ao pente,
mentem como a dentadura mente ao dente,
mentem como a carroça à besta em frente,
mentem como a doença ao doente,
mentem como o espelho transparente
mentem deslavadamente como nenhuma lavanderia
ao ver a nódoa sobre o rio
mentem com a cara limpa e na mão o sangue quente,
mentem ardentemente como doente nos seus
instantes de febre,
mentem fabulosamente como o caçador que quer
passar
gato por lebre,
e nessa pilha de mentiras a caça é que
caça o caçador e assim cada qual
mente indubitavelmente.
Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente.
Publicado ( Entre -Rios Jornal) - Coluna
Pan. Geral /Andrade, WR /Agosto /2005.