FRANCISCA e ISABEL - O Brasil em Uníssono
*Fabiana Ramalho Bagarolli
O Movimento abolicionista no Brasil não foi restrito a elites engajadas, nem a um punhado de figuras influentes. Foi um movimento amplo, articulado e enraizado nas diversas camadas da sociedade brasileira, com início ainda na década de 1830 — mais cedo do que se ensina, mais profundo do que se reconhece.
Desde esse período, surgiram associações formalizadas, regulamentadas, legítimas, que funcionavam com seriedade e alcance. Não eram reuniões informais de idealistas: eram instituições com nome, sede, articulação política e ação concreta. E o mais importante: não havia financiamento externo ou apoio do Estado. Tudo partia do esforço direto dos seus integrantes. Chiquinha Gonzaga, por exemplo, vendia partituras de porta em porta para arrecadar fundos com os quais libertava, literalmente, pessoas escravizadas.
Essas organizações reuniam nomes centrais da vida cultural e política do Império: Machado de Assis, Joaquim Nabuco, André Rebouças, Luiz Gama — e Dona Isabel, a então princesa imperial. Dona Isabel não somente assinou a Lei Áurea: ela frequentava saraus abolicionistas, participava de eventos promovidos por Machado de Assis e fazia doações generosas, de recursos próprios, diretamente às associações.
Princesa Isabel - era, sim, abolicionista. E isso foi dito — e escrito — por seus contemporâneos. Mas a História, mais tarde, silenciou. Silenciou os vínculos afetivos entre o povo brasileiro e a família imperial brasileira. Silenciou a presença pública e concreta da princesa Isabel, junto às causas sociais. Não apagaram — mas esconderam. Omitiram. Encobriram. E caberá a nós, que encontramos esses rastros, devolvê-los ao Povo.
E então chegou o dia! 13 de maio de 1888. O Dia em que a Lei Áurea foi assinada. O Dia em que, como escreveu, André Rebouças, “nunca se viu no Brasil tamanho júbilo”.
Para aquele Momento, os integrantes da associação abolicionista do Rio de Janeiro, da qual Chiquinha fazia parte, reuniram pequenas quantias para comprar uma pena de ouro. Não poderia ser qualquer instrumento a assinar aquele documento. Aquela pena precisava honrar as mãos que a empunhariam — as mãos da Redentora — e o papel que ali repousava.
Chiquinha Gonzaga entregou em mãos a pena de ouro a Dona Isabel. E, com ela, ofereceu também um hino. Uma música, não de protesto, mas de gratidão.
Era o “HINO À REDENTORA”.
Naquele dia — ainda que um só — o Brasil foi inteiro.
Homens e mulheres. Negros e brancos. Pobres e abastados.
Todos à rua. Todos ao lado da liberdade.
Todos vibrando o mesmo gesto.
Dizem muito pouco sobre isso.
Sobre o que os brasileiros do século XIX sentiam, pensavam, escreviam sobre o Império. Dizem pouco porque lhes convém que se saiba pouco. Mas a verdade é que, para além da caricatura dos nobres distantes e dos palácios fechados, existiam vínculos. Existia afeto. Existia reconhecimento. E o povo sabia disso.
Chiquinha Gonzaga e Dona Isabel, separadas por tantas camadas — de classe, de mito, de silêncio —, foram duas mulheres que agiram. Que escolheram. Que entregaram. E que, no final, se abraçaram.
Não por um só dia, mas num dia que as uniu para sempre. Num dia em que o Brasil, pela primeira vez, cantou em Uníssono.
Por: Fabiana Ramalho Bagarolli/ nosso agradecimento - pela lembrança e, aqui compartilhada/ COMPAZTR/FC.