quarta-feira, 8 de abril de 2015

Textos Opinião ( p/ FC )

A liberdade cai na rede
      Foi numa festa recente em casa de amigos: discutia-se a escalada da pornografia na internet, e a necessidade de se estabelecer "políticas públicas de controle". Quando, por questão de princípio, manifestei-me inteiramente contrário à interferência do Estado em assuntos de âmbito particular, impacientaram-se comigo. “A liberdade”, alguém argumentou a meu lado. “também necessita de regulamentação a vigilância”.  E então, pior ainda, quando ousei argumentar que não é justo que todas as pessoas de bem sejam vigiadas por causa de “punhado de tarados”, não foram poucos os que me perguntaram, com vago desdém: “Mas o que você quer dizer com pessoas de bem? Por favor, seja mais...” científico!
       A pergunta, respostas à parte, parece já dizer bastante sobre nossa época, marcada por altos índices de tecnologia e baixos padrões de consciência moral. Décadas atrás, ninguém ousaria demonstrar todo esse espanto diante de uma expressão tão simples, tão clara e essencial. Ao contrário: todos aspiram a ser – ao menos em princípio – pessoas de bem, fieis tributários de uma tradição de valores morais legado de geração a geração, muito mais profunda e mais antiga do que os modernos referenciais científicos da sociologia (esta tende a encarar a moral com um suspeitíssimo “sintoma ideológico”, e a liberdade individual como uma circunstância sujeita não a padrões de responsabilidade e autodisciplina, mas a vigilâncias e regulamentações públicas).
    A liberdade sempre teve, graças a Deus, grandes admiradores, mas também conta com uma vasta legião de inimigos. De Platão a Karl Marx, passando por Durkheim e o Iluminismo, muitos pensadores se dedicaram a imaginar a sociedade perfeita a partir da mesma receita obsessiva: o sacrifício da esfera individual, em nome de um suposto bem-estar coletivo. Hoje, essa luta parece expandir seus domínios até a internet, fazendo dela sua mais nova trincheira. Logo ela, que nasceu sob o signo da liberdade e da mais completa desregulamentação.
    Sem ter um núcleo central gerador, não sendo administrada por ninguém, a internet é apenas um formidável conjunto de redes de computadores ligadas entre si, que utilizam a mesma tecnologia para enviar e receber informações. Talvez essas duas grandes virtudes – sua autonomia e seu alcance – incomodem os inimigos da liberdade, levando-os a propor uma série de modelo de gestão, em geral bem mais nocivo do que a própria pornografia – à qual, aliás, só tem acesso quem quiser.
    Deixo aos especialistas as questões relativas às possibilidades tecnológicas desse controle e às intenções políticas de exercê-lo. Mas, como indivíduo e escritor não podem deixar de constatar a existência de um punhado de outras estratégias às quais as modernas ciências sociais costumam recorrer para ajudar a consolidar esta dominação. Uma delas responde pelo nome de inteligência coletiva – conceito que encontra na internet seu berço mais esplêndido.
     Capitaneada pelo pensador francês Pierre Lévy, notório pelas suas especulações sobre o impacto da informática no comportamento humano, a proposta se inscreve na velha galeria das ideias platônicas de “sociedade perfeita” e “bem-estar comum”. Segundo Lévy, a informática é, entre todas as variantes de “tecnologia da inteligência”, aquela que oferece os “ambientes e ferramentas mais favoráveis à construção de uma inteligência coletiva”. E isso, diz o mestre, passa necessariamente pelo processo de produção cooperativa de textos.
     Sob a capa de uma suposta solidariedade tecnológica, a proposta vem na verdade atacar um ponto essencial para a liberdade de pensamento e expressão: a questão autoral, cuja legitimidade já vinha sendo constatada pelos militantes da “ciberpirataria”, versão upgrades do velho aforismo proudhoniano d que toda propriedade é um roubo. Com a inteligência coletiva, a prática vem encontrar seu respaldo teórico.
     Num livro chamado exatamente “intelligence Collection”, Lévy profetiza que, a partir do momento que se passa da esfera do individual para a do coletivo, o número de possibilidades de combinação de potenciais biopsicológicos aumenta consideravelmente, criando um suposto hipercórtex (sic), uma espécie de versão virtual da clonagem humana. Talvez seja apenas mais uma ideia maluca a circular na rede; mas basta alguns segundos de pesquisa, com a ajuda de um mecanismo de busca como o Google, para se ter uma ideia de sua crescente repercussão: a expressão “inteligência coletiva” aparece nada menos do que 2.130 vezes só em português, enquanto Lévy é brindado com cerca de 13 mil referências, 3.000 mil delas em nosso idioma. Pode não ser uma cifra impressionante, num universo de milhões de sites, mas é bom lembrar que os piores venenos são letais em doses microscópicas.
     Não é difícil deduzir as conseqüências que isso possa trazer para a liberdade de pensamento e expressão, conquistada pelo indivíduo a duras penas, ao longo de seu processo civilizatório – e que uma nova ferramenta como a internet deve ajudar a fortalecer, não a destruir. Pensar coletivamente é coisa que pressupõe vigilância recíproca, constrangimento e consenso. Ou seja: exatamente o contrário daquilo que a palavra “liberdade” significa.
     Para dar conta de tantos inimigos, a liberdade conta com um único guardião: O exército-de-um-homem-só de cada pessoa de bem. Somente estando acordado de qualquer sonho coletivo o indivíduo poderá ajudar a defender a liberdade, sua e do próximo. O resto é silêncio – ou conversa de festa.

                Borges, Antônio Fernando. In: O Globo/ 22/04/03- p.7
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O detestável público
     * Eugênio Bucci

   Dizem os pessimistas que a política é um circo – de horrores, talvez. Pois estão errados, e a culpa é, em grande parte, do público.
   No Circo a platéia é chamada de “respeitável público” e faz por merecer o tratamento. Ela come pipoca, bate palmas, ri do Palhaço, arregala os olhos quando o leão entra no picadeiro, suspira com os volteios da trapezista, de pernas esguias e biografia misteriosa. No Circo o público é família. Mesmo no circo romano, o Coliseu, os espectadores costumavam se dar algum respeito – e eram respeitados pelo imperador, que, vez ou outra, consultava o povo sedento de sangue para saber se um gladiador imobilizado pelo oponente deveria ou não deveria ser executado na Arena.
     Os lutadores e soberanos se dobravam as predileções da turba, que não estava lá para contemplar mesuras e boas maneiras. De sorte que até mesmo ali, o seu modo rude e animalesco, o público era respeitável.
    A política de nossos dias não é um circo, nem mesmo de horrores: ela é pior, e isso não porque os políticos desrespeitam o público, mas porque o público abdicou do próprio respeito. À vezes temos a sensação de que o público em nome do qual se faz a tal política é repugnante, talvez mais do que as pequenas multidões que gargalhavam quando a cabeça dos nobres  tamborilava  aos pés da guilhotina, no terror da Revolução Francesa. O público é detestável
   Na semana passada (inicio de Nov./11), tivemos mais uma prova abrasiva dessa verdade. Imediatamente após a divulgação da notícia de que o ex-presidente Lula contraiu câncer na laringe, entrou em atividade, na internet, um vulcão de baixarias preconceituoso, ofensivo, injurioso, para agredir um ser humano que adoeceu. Nas redes sociais, um grupo lançou uma campanha para tripudiar. Entre outras maldições, sentenciaram Lula a ir procurar seu tratamento no SUS ( Sistema Único de Saúde), e proclamaram: “É melhor ele continuar vivo, ainda que sua voz, e parar de envenenar o mundo com suas palavras ignorantes”.
    É claro que não podemos generalizar: não é a totalidade dos freqüentadores das redes sociais que se comportam como hienas histéricas, como urubus descompensados, como  trogloditas virtuais. Mas é claro, também, que são muitos. São milhares. Tanto que se tornou impossível ignorá-los. Eles constituem um sintoma grave – sintoma em todos os sentidos, do farmacológico ao psicanalítico – em que o ódio de classe atropela o debate das ideias.
  Sim, ódio de classe. Quem manda Lula se tratar no SUS declara ódio contra o próprio, e também contra o SUS, contra a Lei, contra tudo o que guarde uma reminiscência de assistência social e de pobreza. Esse discurso reedita a velha máxima brasileira: “Aos amigos tudo, aos inimigos, a lei”. Traduzindo: o SUS é a lei, e a lei só pode fazer mal; o SUS é como as penitenciárias; todo serviço é odioso. Essa gente se recusa a admitir que, no SUS, muitos de nós já nos tratamos com sucesso, nem que tenha sido uma única vez na vida, embora a administração pública ainda padeça os males causados pelos ladrões e pelos parasitas incompetentes. Essa gente se enfurece porque Lula foi atendido num hospital de elite, mais ou menos como a personagem caricata da novela das 9, Tereza Cristina, se destempera, aos urros, porque a ex-pobretona Griselda ganhou na loteria e comprou  uma casa no mesmo condomínio de luxo em que ela , a afetadíssima Tereza Cristina, tem sua mansão. O detestável público que agora insulta Luiz Inácio Lula da Silva é uma massa ignara de Tereza Cristina esbravejantes, defendendo aos tapas seu condomínio imaginário.  Condomínio que, honestamente, é uma favela moral de palácios com vidro à prova de bala ( o SUS é melhor, inclusive para a saúde).
      Antes falávamos do câncer e da AIDS como metáforas de fenômenos menos visíveis. Agora somos forçados a decifrar, na internet, de onde vem a metamorfose do ódio e, pior, para onde ela aponta. Um câncer de laringe num líder populista é metáfora?  Evidentemente, sim, mas a fúria espalhafatosa que ele atrai é presságio de doença mais preocupante.
    Faz décadas, Nelson Rodrigues caçoou de Otto Lara Resende atribuindo a ele uma frase que se tornaria célebre: “O mineiro só é solidário no câncer”. Naquele tempo, o público ia ao teatro. Hoje, o público não sabe o que é solidariedade. Nem no câncer. Se ele não se der ao respeito, não haverá mais política. O debate de ideias sucumbirá ao desejo de exterminar o outro. E a voz do povo será a voz da treva.

Época/Nov. 2011             * Eugênio Bucci – é jornalista e professor da ESPM e da ECA-USP














Chama /... Construção da União Europeia constitui um dos mais bem-sucedidos projetos de paz da História contemporânea... ( Fatos & Feitos)
Uma Europa cada vez maior (FC # 19)

 *Ana Paula Zacarias

     Celebra-se no mês de Maio de 2015 o decimo primeiro ano do maior e mais complexo alargamento que trouxe, em 2004, dez novos países à União Europeia – Chipre, Malta, e oito países do Leste da Europa: Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, e República Checa. Este fio um passo muito significativo para a reunificação do continente europeu. Como disse, então, o Papa Paulo II, “A Europa pode, finalmente, respirar  com ambos os pulmões”.
    Fundada em 1957, a Comunidade Econômica Europeia formada por apenas seis países – Alemanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Luxemburgo – transformou-se em União Europeia, e acolhe hoje mais de 500 milhões de cidadãos em 28 Estados - membros.
    Não restam duvidas de que a construção desta União constitui um dos mais bem-sucedidos projetos de paz da História contemporânea. Países que antes se enfrentavam em devastadoras guerras vivem hoje em paz, tendo por base valores comuns de respeito pela dignidade humana, liberdade, democracia, igualdade, estado de direito e direitos humanos. À paz se juntou a prosperidade mediante a construção de um mercado único, de uma união econômica cada vez mais profunda, de um acervo de normas comuns aplicáveis em todos os estados - membros, bem como um conjunto de instituições supra-nacionais responsáveis pela preservação dos interesses comuns.
    Os sucessivos alargamentos demonstram o poder de transformação de projeto europeu que ajudou os novos países-membros a reconstruir e modernizar as suas economias, reformar as suas instituições e valorizar o seu tecido social e a sua cultura – ao mesmo tempo em que se operava a reunificação do continente numa lógica da integração política, de economia de mercado, de liberdade de circulação, de desenvolvimento sustentável, com base nos valores da liberdade e da democracia.     
     O alargamento provou igualmente ser um dos mais importantes instrumentos para a paz e a prosperidade da Europa, que aumentou o seu peso enquanto ator global e se tornou mais segura, mais forte e mais rica, quer do ponto de vista político, econômico, social e cultural. No que diz respeito à política externa, o alargamento trouxe um reforço das relações de vizinhança no Leste e também nos Bálcãs, permitindo, ao mesmo tempo, à União tornar-se um ator mais credível e efetivo nas Américas, na África, no Oriente Médio ou na Ásia pela diluição das heranças coloniais.
    O projeto europeu continua atrair novos países. Temos hoje cinco países candidatos – Macedônia, Islândia, Montenegro, Sérvia e Turquia, e outros três podem vir a juntar-se a estes – Albânia, Bósnia-Herzegovina e Kosovo, caso cumpram todos os critérios de adesão.
    Aprofundando o seu processo de integração e, simultaneamente, alargando o seu âmbito geográfico, a União cresceu sob o lema: “Unidos na diversidade”. Sabemos que só assim poderemos encontrar um denominador comum e soluções inovadoras e pragmáticas para enfrentar os desafios globais, deixando a porta aberta para que a família europeia possa continuar a crescer em paz e prosperidade.      
   
            * Ana Paula Zacarias é embaixadora da União Europeia/UE no Brasil.            Artigo escrito com os embaixadores da EU no Brasil. ( 14/5/2014).
“A implosão da mentira”
                        Afonso Romano de Sant’ Anna
                               ( Ele, Escritor, Presidente da Biblioteca Nacional/Rio)          
             Mentiram-me.
Mentiram-me ontem
e hoje mentem novamente.
Mentem de corpo e alma completamente.
E mentem de maneira tão pungente
que acho que mentem sinceramente.

Mentem, sobretudo, impunimente.
Não mentem tristes,
Alegremente mentem.
Mentem tão nacionalmente
que acham que mentindo historia afora
vão enganar a morte eternamente.

Mentem, mentem e calam
mas as frases falam e desfilam de tal modo nuas
que mesmo o cego pode ver a verdade
em trapos pelas ruas.
Sei que a verdade é difícil e para alguns é cara e
Escura,
Mas não se chega à verdade pela mentira
Nem a democracia pela ditadura.

Evidentemente crer que uma flor nasceu em
Hiroshima e em Auschwitz havia um
Circo permanentemente.

Mentem, mentem caricaturalmente,
mentem como a careca mente ao pente,
mentem como a dentadura mente ao dente,
mentem como a carroça à besta em frente,
mentem como a doença ao doente,
mentem como o espelho  transparente
mentem deslavadamente como nenhuma lavanderia
ao ver a nódoa sobre o rio
mentem com a cara limpa e na mão o sangue quente,
mentem ardentemente como doente nos seus
instantes de febre,
mentem fabulosamente como o caçador que quer
             passar gato por lebre,
e nessa pilha de mentiras a caça é que
             caça o caçador e assim cada qual
             mente indubitavelmente.

Mentem partidariamente,
mentem incrivelmente,
mentem tropicalmente,
mentem hereditariamente,
mentem, mentem e de tanto mentir tão bravamente
constroem um país de mentiras diariamente. 

 Publicado ( Entre -Rios Jornal) - Coluna Pan. Geral /Andrade, WR /Agosto /2005.

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